quinta-feira, 30 de junho de 2011



Uma das coisas melhores, para mim, na profissão de livreira é poder, de alguma forma, contribuir para a "educação" e formação literária de alguém no início do seu percurso...  Todos os que se apaixonaram pela palavra impressa tiveram, em algum ponto, uma ou outra experiência, um encontro fortuito com alguém, que lhes marcou o percurso de leitores.

A mim, foi a D. Milú!  Uma senhora pequenina e franzina, de passo acelerado e cabelo alvo como a neve, que tinha uma papelaria em Sintra...  Antes de começar a ler (com destreza) livros, os meus pais compravam-me, todas as semanas, uma ou duas revistas de B.D. (fossem da Disney ou da Turma da Mónica).  Com uma paciência de Job, a D. Milú retirava para cima do balcão todas as revistas e via-me, por vezes durante uma meia-hora, a debater-me com o dilema de ter de escolher entre o Cascão, o Cebolinha ou o Pato Donald.  Sempre teve um sorriso nos lábios, uma palavra meiga e uma amizade verdadeira pela criança de 6 anos que tentava escolher o que melhor se adaptaria ao seu gosto volátil.  Ainda hoje, aos 32 anos, tenho por ela um enorme carinho e, sempre que passo na sua recentemente fechada papelaria, sinto a nostalgia de uma felicidade terminada...

Esta semana fui, novamente feliz...  Senti que, de alguma forma, me tornei a D. Milú de alguém...
Uma senhora foi à minha loja com a sua filha de 11 anos.  Vieram ter comigo.  A filha segurando excitadamente entre as mãos um exemplar de "A Vida de Pi"...  A mãe preocupada com a escolha da filha.  Aproximaram-se e a mãe proferiu uma pergunta que, apesar de a ouvir inúmeras vezes, continua a não me fazer o menor sentido: "Este livro é indicado para uma criança de 12 anos?"

Faço aqui um pequeno àparte...  Esta é uma questão com que me debato desde que comecei a trabalhar numa livraria...  Já perdi a conta à quantidade de pessoas que me aborda à procura de "um livro para uma senhora que vai fazer 52 anos", ou "para um senhor na casa dos sessenta", ou "para uma criança de 8, mas que é muito precoce".  Os livros não têm um prazo de validade...  Não há nenhum livro que tenha de ler a partir da hora em que faz 52 e até ao minuto anterior a completar os 53, sob o risco de "autodestruir-se"!  E, a falar a verdade, a maturidade literária varia consoante o leitor e não a idade do mesmo...  Há pessoas de 50 e tal anos que nunca leram mais que uma Nora Roberts ou um Nicholas Sparks (excelentes autores do seu género) e crianças de 11 (como a menina de que falo) que já leram o "Diário de Anne Frank"...  Eu própria tomei conhecimento e apaixonei-me por Tolstoi aos 13 anos (facto que salientei à mãe da minha cliente...  que não se coibiu de me informar de que eu "não era normal"), o que não invalida que aos 32 anos releia com gosto os livros de Agatha Christie que fizeram as minhas delícias aos 11 anos.

Voltando ao que interessa...  O livro em questão era para oferecer como prenda de aniversário a uma amiguinha da rapariga que, já tendo lido "O Diário de Anne Frank", a mãe tinha receio que não tivesse maturidade para "A Vida de Pi" (que a própria filha estava a ler com gosto).  Dei-lhe o meu conselho sincero...  Acredito, piamente, que se um jovem mostra apetência para a leitura a mesma deve ser fomentada e alimentada por quem o rodeia...  Deve-se, sempre, estimular o gosto, ajudando-o a evoluir e crescer como leitor...  E, mesmo receando a rápida evolução e um crescimento rápido, a verdade é que isso é, a meu ver, preferível a uma castração ou a um retrocesso a quem já conseguiu tal evolução.

Levaram "A Vida de Pi"...  e a menina saiu excitada com a perspectiva de ler Tolstoi aos 13 anos.

Dois dias mais tarde, na minha hora de almoço, fui às compras ao shopping...  No regresso à loja encontrei de novo as duas...  Fui agraciada com 2 enormes sorrisos e com a excitante novidade de que a aniversariante se apaixonara pelo livro só de lhe tomar o peso e ver a capa...

Sorri...

Por mim e pela D. Milú...

Lição aprendida, mestra!


quinta-feira, 16 de junho de 2011

Cada um com as suas pragas...

As Dez Pragas do Egipto
(in Almanaque Sábado 2011)

1 - O Rio Nilo e toda a água do Egipto transformam-se em sangue.
2 - O Rio Nilo regurgita rãs, que invadem as residências dos egípcios.
3 - O pó da terra transforma-se em mosquitos.
4 - Moscas venenosas.
5 - A peste aniquila todo o gado egípcio.
6 - Uma epidemia de úlceras e tumores, espalhada a partir de cinza de forno que Moisés lança ao ar.
7 - O granizo destrói toda a verdura dos campos e arruina as colheitas.
8 - Uma praga de gafanhotos arrasa o que tinha escapado ao granizo.
9 - Densas trevas cobrem o Egipto durante três dias.
10 - Páscoa judaica: Deus mata o filho primogénito de todos os egípcios.


Os Dez Clientes Praga de um Livreiro
(quando são dados exemplos foram vividos na primeira pessoa)

1 - O que não sabe bem o que quer. ("Desculpe, estou à procura de um livro...  Não sei o título nem o autor, mas a capa é azul e custa 19,90€").
2 - O que julga que temos a obrigação de ver os mesmos programas de televisão e tomar nota dos títulos que lhe interessam (e que pedem o "livro do Professor Marcelo", o "livro da Oprah" ou "Olhe, eu queria um livro de que estavam agora a falar na Antena 1.  Sabe qual é?  Vinha a ouvir o programa à vinda para cá!")
3 - O que começa a falar sem, sequer, nos cumprimentar e que, em resposta aos nossos "bons dias", se chateia por achar (correctamente) que estamos, subtilmente, a chamá-lo de mal-educado.
4 - O que, ao não encontrar o que pretende, se vira contra quem o está a tentar ajudar ("Desse autor, com esse título não temos nada, mas eu mostro-lhe onde estão os livros dele." "Você não percebe nada disto!  Vá mas é dar uma volta!"  "Ok!")
5 - O que, por frequentar uma livraria, se julga superior ("Quero um livro, não sei o autor mas chama-se Os Maias" "Ah, sim...  E quer dos Livros do Brasil?"  "Duh!  O autor é português!")
6 - Os que assumem automaticamente que toda e qualquer pessoa a trabalhar numa grande superfície comercial só lá está para ganhar uns cobres para a noite.
7 - O que ateima no erro ("Desculpe mas não é isso...  Quero o "Amor em Tempo de Guerra" do Gabriel Garcia Llorca!")
8 - O que nos coloca perguntas, no mínimo, constrangedoras ("desculpe, viu "O Meu Pipi"?")
9 - O que encomenda livros caríssimos sobre temas específicos, que sabe que não vai comprar, e que os acaba por abandonar por trás de uma pilha de cds na secção da Música (como se assim não soubessemos que não os comprou)
10 - O que, por mais que nos esforcemos, não percebe a diferença entre "esgotado" e "não disponível" ("Desculpe, mas esse livro já está esgotado" "Ah, então pode encomendar" "Não...  Está esgotado...  A editora já não faz mais!" - por norma este cliente solta uma de duas exclamações quando finalmente "cai a ficha": 1 - "Um livro tão bom!  Realmente"  Só publicam porcarias!"  2 - "A ver se a menina diz à editora para voltar a fazê-lo"...  Sim...  Eu sou unha com carne com o Assírio e o Alvim  :P)


Bem sei que, quando comparadas, as minhas pragas parecem uma ninharia...  Mas as pragas do Egipto já foram há tanto tempo...  E o Egipto é tãããããão longe!

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Crime e Castigo... À Portuguesa!

"Crime e Castigo
no País dos Brandos Costumes"
de Pedro Almeida Vieira
Editora Planeta
EAN 9789896571900

Sinopse


No jardim à beira-mar plantado chamado Portugal consta que sempre viveu um povo sereno e de brandos costumes.
Este livro vai desfazer o mito.
Na verdade, a História de Portugal mostra que, desde tempos remotos, homens e mulheres mataram por paixão ou por motivos fúteis, bandidos semearam o pânico, houve serial killers, violadores e facínoras da pior espécie, ladrões de igrejas e hereges. Muitos sofreram depois, no corpo, as consequências dos seus actos, perante um Estado que então aplicava a lei de talião: olho por olho, dente por dente.
Um exacto século depois da Constituição da República de 1911 ter abolido a pena de morte para todos os crimes, e 250 anos após a última execução numa fogueira da Inquisição, eis o retrato verídico de uma selva à beira-mar plantada, através de 30 narrativas que relatam crimes históricos em Portugal. 
 
 
Ao pensar nos outros povos a maior parte de nós tem ideias pré-concebidas que dificilmente afastamos.  Quando o assunto são os povos mediterrâneoa, os conceitos são limitativos...  Os Italianos são Apaixonados e Apaixonantes; os Espanhóis são Efusivos e Festivaleiros; os Portugueses...  são Apáticos.
Neste livro, o último título a sair da pena de Pedro Almeida Vieira ("Nove Mil Passos", "A Corja Maldita" e "A Mão Esquerda de Deus", o autor abana as fundações sobre as quais assentam esses preconceitos.
Através do relato de 30 crimes cometidos antes da abolição da pena de morte no nosso País, Pedro Almeida Vieira mostra como, mesmo na pacatez saloia do Portugal de outros tempos, o crime, a sede de sangue, a malvadez e a crueldade corriam nas veias de um povo que, aparentemente, possuía a calmaria de um mar sem ondas...  apenas para provar que, como este, na sua imensidão e profundidade se escondiam perigos iminentes.
Os relatos abrangem toda uma panóplia de crimes; das façanhas de Diogo Alves no Aqueduto das Águas Livres; passando pela bela adúltera que mais que apupada foi cantada em verso a caminho do castigo final; passando por Luísa de Jesus, uma infanticída que recolhia crianças da Roda dos Expostos (onde eram deixados os orfãos e "filhos de pais incógnitos", apenas para as matar às dezenas; e, finalmente, a história de Maria José, a jovem que com o seu crime (matou e desmembrou a mãe) acordou a chama literária de um jovem de 23 anos, de seu nome Camilo Castelo Branco, que a viria a imortalizar na obra "Maria! Não me Mates, Que Sou Tua Mãe!" (Editora Diversos, EAN 9789728983017).
 
O livro, apesar de estar longe de ser um pilar da literatura, lê-se muitíssimo bem (com a curiosidade mórbida que faz com que se abrande ao passar num acidente, e com o gosto envergonhado e cheio de culpa com que se visitam os sites de novidades cor-de-rosa...  aquele género de coisa que, apesar de gostarmos, custa-nos a admitir publicamente)...
 
Nota 3