Não nos Roubarão a Esperança
de Júlio Magalhães
Editor: A Esfera dos Livros
ISBN: 9789896263997
Sinopse
Poderá o amor nascer em tempo de guerra? No Portugal de Salazar e nos tempos conturbados da guerra civil espanhola, Miguel Oliveira, voluntário português ao serviço das tropas nacionalistas de Franco, é feito prisioneiro pelos republicanos, depois de o seu avião ter caído nos arredores de Barcelona. Um feliz golpe de sorte salva-o de um julgamento sumário e de uma morte certa por fuzilamento. Será trocado por um oficial republicano, perto de Madrid. Miguel inicia uma longa viagem de automóvel que o vai levar de Barcelona a Madrid num território pejado de perigos. Será durante essa intensa viagem que ele conhecerá e se apaixonará por Dolores, a jovem republicana responsável por levá-lo à capital espanhola. Outrora uma defensora ardente da República, Dolores está nos finais da guerra, cansada de ver tanta morte e destruição. Para sua grande surpresa e sem nunca abandonar os seus ideais, a jovem republicana encontrará em Miguel um bom confidente e até um protetor. Tendo como pano de fundo a violenta paisagem desenhada pela guerra civil, Não nos roubarão a esperança, narra o nascimento de um grande amor que terá de provar ser mais forte do que o ódio.
Júlio Magalhães leva-nos até ao cenário da Guerra Civil Espanhola para nos
contar a história de dois portugueses, dois irmãos, sangue do mesmo sangue,
separados por convicções diferentes. Duarte e Pedro, que partem para o país
vizinho, para combater em diferentes lados da barricada. Um ao lado dos
nacionalistas e o outro dos republicanos. Contudo, para além da violência e do
drama do conflito, estes dois irmãos irão encontrar o amor.
"
Junho de 1938.
Arredores de Barcelona.
Duarte abriu os olhos e levou alguns segundos a distinguir o
que estava à sua volta. Um bando de
crianças sujas e mal vestidas olhava para ele tentando disfarçar o medo. O piloto levou a mão à testa e sentiu o
sangue antes de o ver. Uma dor terrível
apertava-lhe o pé esquerdo, ou talvez o direito. Tudo naqueles primeiros instantes lhe parecia
confuso. Na sua cabeça uma imagem
repetia-se. O fumo e as chamas que saiam
do grande motor do avião, o chão a aproximar-se e os gritos do seu copiloto. Depois de um violento embate contra um
terreno seco tudo ficou, subitamente, estranho.
Não conseguia lembrar-se de mais nada.
Até aquelas crianças ranhosas e desdentadas não faziam sentido para
Duarte. Que raio estavam ali a
fazer? Onde estava o seu avião? Olhou para trás e sentiu, mais do que viu, os
restos esventrados do seu aparelho italiano com o fogo a consumir a madeira que
lhe dava forma. Mais ao longe, ainda
altivo, o motor rodeado por chamas.
Quis levantar-se, mas o pé não o deixou. Soltou um grito de dor. As crianças assustaram-se com o grito e
recuaram uns passos tímidos. Aos poucos
foram perdendo o medo e voltaram a aproximar-se do piloto português. Duarte podia, agora, ver com um pouco mais de
detalhe as seis ou sete crianças que o rodeavam.
Porque tinham elas espingardas nas mãos? Duarte esforçou-se para focar a imagem tanto
quanto lhe deixava aquela maldita dor na cabeça mesmo por cima dos olhos. Sobressaltou-se. As crianças tinham mesmo armas e estavam
apontadas a ele? Bastaram mais uns
segundos para Duarte perceber que era tudo a brincar.
As espingardas eram de pau.
A fingir. Sem saber como, Duarte
encontrou forças para sorrir.
Uma das crianças, mais afoita, aproximou-se com a sua arma a
fingir em punho. Encurvou-se ligeiramente
para apontar a sua espingarda faz-de-conta ao corpo deitado do piloto. Não devia ter mais de 8 anos e uma cara
marcada por sardas. A criança fechou a
boca e franziu o sobrolho para tentar encontrar a cara mais terrível que
conseguisse. Se a espingarda era falsa,
a sua voz era verdadeira e o ódio com que disse aquela curta frase assustou
Duarte:
- Pum! Estás morto,
fascista dum filho da puta!"
(Pré-publicação de um excerto do primeiro capítulo do livro “Não
Nos Roubarão a Esperança”, de Júlio Magalhães, publicado na revista Tentações
na edição 430 da revista Sábado)
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