"Tenho ternura, ternura até às lágrimas, pelos meus livros de outros em que ecrituro, pelo tinteiro velho de que me sirvo, pelas costas dobradas do Sérgio, que faz guias de remessa um pouco para além de mim. Tenho amor a isto, talvez porque não tenha mais nada que amar - ou talvez, também, porque nada valha o amor de uma alma, e, se temos por sentimento que o dar, tanto vale dá-lo ao pequeno aspecto do meu tinteiro como à grande indiferença das estrelas."
Fernando Pessoa, in Livro do Desassosego
Críticas literárias, opiniões, amores e desamores duma apaixonada da palavra impressa.
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010
terça-feira, 16 de fevereiro de 2010
Descobrindo José Emilio Pacheco
As Batalhas no Deserto
José Emilio Pacheco
Oficina do Livro (colecção Ovelha Negra)
José Emilio Pacheco
Oficina do Livro (colecção Ovelha Negra)
EAN: 9789895551774
ISBN: 989-555-177-0
ISBN: 989-555-177-0
Sinopse:
Uma história de amor impossível que vendeu mais de meio milhão de exemplares só no México.
Esta é a história de amor impossível, narrada numa obra que ainda guarda espaço para abordar temas como a corrupção social e política, a modernização do México ou o desaparecimento do país tradicional. Ao mesmo tempo que vai resgatando memórias de uma cidade que ama intensamente - mas que aqui recria sem nostalgia e denuncia de uma forma implacável -, através do amor de Carlitos, o autor aprofunda a cumplicidade com os leitores, numa linguagem simples, depurada, comovente e aberta a várias leituras e interpretações. Traduzida em inúmeras línguas, só no México As batalhas no Deserto vendeu mais de meio milhão de exemplares.
"Mais do que uma comovente história de amor impossível, um texto singular, que já faz parte da história da literatura latino-americana."
Antonio Sarabia, in Prefácio
Apesar de ter estudado Línguas e Literaturas Modernas na Universidade e de trabalhar numa livraria tenho de admitir que, até à chegada deste livro à loja, nunca tinha ouvido falar neste autor. Ao arrumar os livros, no entanto, tive a oportunidade de ler a sinopse da obra, que me agradou, o que me levou a querer saber mais sobre José Emilio Pacheco. Descobri então que, tendo nascido em 1939, é hoje considerado um dos poetas mais consagrados do méxico e que, para além do presente livro, escreveu mais quatro romances e/ou conjunto de contos.
Acabei por comprar o livro... E li-o rapidamente... Apesar de sentir dificuldade em compreender e fazer a ligação com algumas das passagens que fazem referência não só à realidade mexicana como também às referências infantis/juvenis dos anos 5o. Sinto que, provavelmente, o meu pai irá rever-se e perceber melhor a realidade retratada no livro do que eu alguma vez poderei. Ainda assim, gostei do livro e senti-me imersa numa maré de nostalgia e de memórias de uma inocência perdida que se sente na voz do personagem principal, Carlitos.
A história é simples e despretenciosa, como deve ser toda a infância. Carlitos, já adulto, relembra a sua infância e juventude no seio de uma família de classe média no México. Tendo perdido dinheiro com o avanço do progresso (o pai, dono de uma fábrica de sabão, vê o negócio ir por água a baixo com a chegada dos detergentes em pó) a situação familiar deteoria-se e cada um procura conforto nas únicas coisas que lhe dão prazer... O pai dedica-se a aprender o Inglês (o idioma do futuro), a mãe entrega-se à fé e o irmão ao sexo e ao crime. Carlitos, esse encontra refúgio na sua primeira paixão. O que nada teria de estranho, não fora o objecto do seu amor juvenil a mãe do seu melhor amigo (e amante de uma das figuras mais proeminentes do governo vigente da altura). As repercurssões do seu inocente acto vão marcá-lo até à idade adulta.
Gostei do livro e de ter tido a oportunidade de conhecer um novo autor.
Nota 3
Dois poemas de José Emilio Pacheco:
No me deja pasar el guardia.
He traspasado el límite de edad.
Provengo de un país que ya no existe.
Mis papeles no están en orden.
Me falta un sello.
Necesito otra firma.
No hablo el idioma.
No tengo cuenta en el banco.
Reprobé el examen de admisión.
Cancelaron mi puesto en la gran fábrica.
Me desemplearon hoy y para siempre.
Carezco por completo de influencias.
Llevo aquí en este mundo largo tiempo.
Y nuestros amos dicen que ya es hora
de callarme y hundirme en la basura.
Memoria
No tomes muy en serio
lo que te dice la memoria.
A lo mejor no hubo esa tarde.
Quizá todo fue autoengaño.
La gran pasión
sólo existió en tu deseo.
Quién te dice que no te está contando ficciones
para alargar la prórroga del fin
y sugerir que todo esto
tuvo al menos algún sentido.
Tradução (à minha responsabilidade)
Indesejável
O guarda não me deixa passar.
Ultrapassei o limite de idade.
Venho de um país que não existe mais.
Os meus papéis não estão em ordem.
Falta-me um carimbo.
Preciso de uma outra empresa.
Não falo a língua.
Não tenho conta no banco.
Não passei no exame.
Eles acabaram com o meu posto na grande fábrica.
Estou desempregado, agora e para sempre.
Não tenho cunhas.
Estive muito tempo aqui neste mundo.
E os nossos chefes dizem que é hora
de cale-me e afundar-me no lixo.
Memória
Não leves muito a sério
o que a memória te diz.
Talvez não tenha existido aquela tarde.
Talvez tudo fosse ilusão.
A enorme paixão
só existiu no teu desejo.
Quem disse que não estás a contar histórias
para aumentar o sentido de ordem
e sugerir que tudo isto
teve ao menos algum sentido.
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar
História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar
Luis Sepúlveda
Porto Editora
ISBN 978-972-0-04092-3
EAN 9789720040923
Sinopse
Esta é a história de Zorbas, uma gato grande, preto e gordo. Um dia, uma formosa gaivota apanhada por uma maré negra de petróleo deixa ao cuidado dele, momentos antes de morrer, o ovo que acabara de pôr.Zorbas, que é um gato de palavra, cumprirá as duas promessas que nesse momento dramático lhe é obrigado a fazer: não só criará a pequena gaivota, como também a ensinará a voar. Tudo isto com a ajuda dos seus amigos Secretário, Sabetudo, Barlavento e Colonello, dado que, como se verá, a tarefa não é fácil, sobretudo para um bando de gatos mais habituados a fazer frente à vida dura de um porto como o de Hamburgo do que a fazer de pais de uma cria de gaivota...Com a graça de uma fábula e a força de uma parábola, Luis Sepúlveda oferece-nos neste seu livro já clássico uma mensagem de esperança de altíssimo valor literário e poético.
Por trabalhar numa livraria já perdi a conta às vezes em que me abordaram para pedir este livro... Por norma adolescentes (muitas das vezes envergonhados) ou os seus pais (sem paciência para andar às voltas na loja à procura do livro que o professor mandou os filhos lerem). Sim, é um dos temidos "livros do plano nacional de leitura". Devo admitir que, até à data, nunca me sentira particularmente tentada a debruçar-me na sua leitura. Mas... Foi então que recebemos uma nova edição! Mais cara, é verdade, mas também mais apetecível, muito graças às ilustrações de Sabine Wilharm. Li, então, a sinopse no verso da capa e decidi-me... Ia mergulhar no mundo do gato Zorbas e acompanhá-lo na aventura de ensinar uma gaivotinha a voar.
Zorbas, o gato mencionado no título, é, como a sua descrição nos relembra frequentemente durante a história, é "um gato grande, preto e gordo" que, tendo tido a sorte de ser salvo por um garoto quando mais não era que um filhote, vive uma vida tranquila e priveligiada numa casa no porto de Hamburgo. Um dia é surpreendido pela aterragem forçada de uma gaivota na varanda onde passa as tardes. A gaivota, tendo sido apanhada por uma maré de petróleo, usara as últimas forças para ali chegar. Consciente que o seu fim está próximo pede auxílio a Zorbas: vai usar o seu último fôlego para por um ovo, mas para isso precisa da ajuda do gato. As três promessas que lhe pede para cumprir sâo: 1º não comer o ovo, 2º cuidar e proteger o ovo até ao nascimento da sua filha e 3º ensinar a cria a voar. Comovido com a situação da gaivota Zorbas aceita cumprir os três pedidos antes de abandonar a gaivota para ir à procura de quem o possa ajudar a salvá-la da morte eminente. Mas, ao regressar com os seus três companheiros (que com ele fazem lembrar a relação de D'Artagnan e os Três Mosqueteiros de Dumas, com o seu mote de "Um por Todos e Todos por Um), os gatos Secretário, Colonello e Sabetudo (aos quais, mais tarde, se irá juntar Barlavento, um gato do mar) encontra o corpo da gaivota sem vida e um belo ovo branco com pintas azuis perto do corpo. A partir desse momento Zorbas e os seus companheiros, que se recusam a abandoná-lo pois a promessa de um gato do porto compromete todos os gatos do porto, têm entre mãos uma tarefa que, mais que estranha, é-lhes assustadora pois não só não sabem nada de pássaros como não fazem ideia de como se voa. A única ferramenta de que dispõem é da amada enciclopédia de Sabetudo. Mas será possível aprender a voar a partir de livros? E se não, como pode um gato ensinar a voar uma pequena gaivota? Será esse o motivo que os levará a quebrar, excepcionalmente, o tabu?
Li esta pequena fábula, pois é disso que se trata - uma fábula dos tempos modernos - num fôlego e redescobri a doçura e as lições contidas nos simples contos. A moral é simples e presente durante todo o relato (a relação e inter-ajuda entre "pessoas" diferentes que, sem olhar às diferenças, se apoiam na luta constante para a obtenção de sonhos particulares e/ou comuns), mas nada a sumariza melhor que a frase proferida por Zorbas na penúltima página: "só voa quem se atreve a fazê-lo!"
Nota 4
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
Considerações literárias
"Um livro é um grande cemitério onde, sobre a maioria dos túmulos, não se podem mais ler os nomes apagados."
Marcel Proust
(O Tempo Reencontrado)
Marcel Proust
(O Tempo Reencontrado)
domingo, 7 de fevereiro de 2010
A morte melancólica do rapaz ostra
The Melancholy Death of Oyster Boy & other stories
Tim Burton
Faber & Faber
ISBN 9780571224449
Se conhece a mente por trás de filmes como "Sweeney Todd", "A noiva Cadáver", "O Estranho Mundo de Jack" ou "Eduardo Mãos de Tesoura", já sabe que Tim Burton não é uma pessoa convencional... Logo, este livro também o não é... Mas é, isso sim, um retrato fidedigno da mente do homem que o escreveu. Nele se apresentam heróis tão diferentes como o Oyster Boy que dá o título ao livro e, ainda: Staring Girl, Brie Boy, The Pin Cushion Queen, Char Boy, Voodoo Girl e muitos outros. Os textos têm a ironia e o humor negro a que o cineasta já habituou os seus fãs e estão ilustrados com desenhos que complementam, na perfeição, os poemas e a já citada ironia.
Pode, ainda, encontrar o livro numa belíssima tradução da Antígona (ISBN 9789726081845)... Mas, se tem facilidade com a língua inglesa, nada melhor que ler o original e ficar a conhecer estas personagens pela voz de Tim Burton!
Roy, the Toxic Boy
To those who knew him
-his friends-
we called him Roy.
To others he was known
as that horrible Toxic Boy.
He loved ammonia and asbestos,
and lots of cigarette smoke.
What he breathed in for air
would make other people choke!
His very favorite toy
was a can of aerosol spray;
he'd sit quietly and shake it,
and spray it all the day.
He'd stand inside the garage
in the early-morning frost,
waiting for the car to start
and fill him with exhaust.
The one and only time
I ever saw Toxic Boy cry
was when some sodium chloride
got into his eye.
One day for fresh air
they put him in the garden.
His face went deathly pale
and his body began to harden.
The final gasp of his short life
was sickly with despair.
Whoever thought that you could die
from breathing outdoor air?
As Roy's soul left his body
we all said a silent prayer.
It drifted up to heaven
and left a hole in the ozone layer.
Nota 4
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
D. Juan ou Estratega?
Os Amores de Salazar
Felícia Cabrita
A Esfera dos Livros
EAN: 9789896260347
Felícia Cabrita
A Esfera dos Livros
EAN: 9789896260347
ISBN: 989-626-034-6
Sinopse
Uma vida ao serviço da nação. Foi assim que António de Oliveira Salazar quis ficar conhecido para a História. Um homem sério, ex-seminarista, casto, antiquado, pouco dado a devaneios amorosos. Tudo a bem da nação. Mas a paixão bateu bem cedo à porta deste homem. Conhecido por trocatintas, Salazar tocou no coração de várias mulheres, deixandoas, sem esperança, a suspirar de amor. Felismina de Oliveira, o seu primeiro amor. Júlia Perestrelo, a jovem a quem dava explicações. Maria Laura, o amor pecaminoso. Maria Emília, a bailarina e astróloga que o ajudava a tomar decisões consoante os astros. Maria, a Governanta de Portugal, e as suas sobrinhas, que rapidamente ganham um lugar no seu coração e ficam conhecidas como as pupilas de Salazar. Mercedes Feijó, a amante do Hotel Borges; ou Christine Garnier, a jornalista que o levou, num acto pouco usual, a abrir os cordões à bolsa para enviar garrafas do melhor vinho para França. Apesar dos rumores e mesmo de algumas notícias de jornal, António de Oliveira Salazar nunca casou. Preferiu levar uma vida de D. Juan. Um destruidor de corações que nunca conseguiu fazer nenhuma mulher feliz.
Uma vida ao serviço da nação. Foi assim que António de Oliveira Salazar quis ficar conhecido para a História. Um homem sério, ex-seminarista, casto, antiquado, pouco dado a devaneios amorosos. Tudo a bem da nação. Mas a paixão bateu bem cedo à porta deste homem. Conhecido por trocatintas, Salazar tocou no coração de várias mulheres, deixandoas, sem esperança, a suspirar de amor. Felismina de Oliveira, o seu primeiro amor. Júlia Perestrelo, a jovem a quem dava explicações. Maria Laura, o amor pecaminoso. Maria Emília, a bailarina e astróloga que o ajudava a tomar decisões consoante os astros. Maria, a Governanta de Portugal, e as suas sobrinhas, que rapidamente ganham um lugar no seu coração e ficam conhecidas como as pupilas de Salazar. Mercedes Feijó, a amante do Hotel Borges; ou Christine Garnier, a jornalista que o levou, num acto pouco usual, a abrir os cordões à bolsa para enviar garrafas do melhor vinho para França. Apesar dos rumores e mesmo de algumas notícias de jornal, António de Oliveira Salazar nunca casou. Preferiu levar uma vida de D. Juan. Um destruidor de corações que nunca conseguiu fazer nenhuma mulher feliz.
Este livro é o resultado de uma pesquisa elaborada pela jornalista Felícia Cabrita acerca do lado secreto da vida de um homem que conduziu (e restringiu) uma nação durante anos. Um lado mais humano que, por norma, não associamos ao chefe de estado que foi Salazar. E, no meu ponto de vista, o objectivo (senão da autora pelo menos dos que com Salazar colaboraram e que conheceram o Homem na sua intimidade, e em cujos depoimentos este livro foi assente) era mesmo esse, humanizar um homem que, durantye anos, pareceu carecer do factor humano...
O livro é composto por 10 capítulos, sendo 9 deles baptizados com o nome de cada uma das várias "conquistas" de Salazar... O uso de aspas na palavra conquistas é propositado! É Óbvio que não sou expert na matéria e que tenho muito menos qualificações que a autora para opinar publicamente sobre a vida de um homem sobre a qual apenas me debrucei muito ligeiramente ao longo do meu percurso de estudante e leitora, mas... Na verdade não consigo acreditar, nem aceitar, a ideia de Salazar como um precursor de sedutores na linha do Zezé Camarinha (sem o "put the cream"). Na verdade acho que mais que sedutor, ou seduzido, Salazar foi um estratega na sua vida privada, assim como o foi na pública. Acredito que algumas mulheres tenham gravitado à sua volta (como sempre acontece com homem no poder), mas não acredito que ele tenha correspondido às expectativas femininas. Aceito, isso sim, que Salazar tenha visto o potencial em manter cada uma delas perto de si e tenha alimentado os desvaneios apaixonados de mulheres que acreditavam conseguir levar o Presidente ao altar. Em vez de amantes tornaram-se conselheiras, informadoras, espias, o seu bilhete premiado para ascender às mais altas esferas sociais, a sua possibilidade de limpar a imagem na comunicação social, etc etc etc
Mesmo a autora escreve, na página 137, aquando do capítulo sobre Carolina Asseca, "o Troca-tintas, como de costume, não a quer mas não a afasta.
Depois de acabar a leitura desta obra continuo com a mesma ideia que tinha de Salazar... E essa ideia não corresponde a um D. Juan.
No entanto, tenho de o referir, achei que a obra era uma boa janela para a vida de um homem do qual, ainda hoje, se tem tanto pejo de falar (do homem, não do político).
Nota 3
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