domingo, 28 de junho de 2009

Pode o Amor ser ridículo?




The Rape of the Lock
Alexander Pope
Hesperus Poetry
ISBN 1-84391-092-6



Mesmo uma apaixonada pela literature, como eu, encontra, ocasionalmente, no seu percurso literário, livros que a fazem abanar a cabeça em descrédito. Este é um exemplo disso mesmo. Tendo acabado a leitura (imposta) do poema abanei a cabeça e pensei, para mim mesma, que o livro era... ridículo. Não acreditei que tinha acabado de desperdiçar algum do meu valioso tempo com tal história. Mas agora, mais calma, vejo as coisas a uma nova luz. Quero com isto dizer que sim, a história é ridícula (absurda, mesmo), mas agora acredito ser esse o objectivo do autor.
Tendo a obra sido "encomendada" a Pope pelo seu amigo John Caryll, o poema relata o crime de Lord Petre que, apaixonado por Miss Arabella Fermor, teve a audácia de lhe cortar um canudo de cabelo (à laia de talismã) provocando, com essa acção, um afastamento gélido entre a sua família e a da sua amada. Assim, e a pedido do seu amigo, Alexander Pope escreveu o poema mostrando quão ridícula era a contenda familiar, ao mesmo tempo que aproveita para parodiar os poemas épicos.
Assim, e de acordo com a obra, vemos que o canudo de cabelo tem "presença própria" e que o seu roubo foi permitido e, mesmo, instigado por seres, espíritos e entidades sobrenaturais que asseguravam a segurança e castidade não só do canudo bem como da sua proprietária. E, para provar o lado divino do objecto de culto capilar, vemos como este, no final do livro, sobe aos céus, tornando-se uma constelação!!!
No fundo é como se Pope procurasse desculpar Lord Petre afirmando que as acções tomadas por este último lhe foram impostas por terceiros e que, para o apaixonado, o motivo de discórdia é um objecto de culto e adoração-
O livro é ridículo. A história que ele conta é absurda. Mas, afinal, o episódio que lhe deu origem também o é!
Nota 2

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Jornada para a Noite... A caminho do fim...






Jornada para a Noite
Eugene O’Neill
Livros Cotovia
ISBN 972-9013-95-0





Peça de teatro de referência e obra autobiográfica do autor norte-americano, esta é uma das obras primas da dramaturgia mundial.
A peça inicia-se, às 8h30 da manhã, na casa da família Tyrone (cenário, aliás, de toda a acção) e decorre no espaço de um dia, durante o qual nos inteiramos dos amores, ódios, fraquezas e aspirações de cada membro da família. E que família...
Primeiro temos James Tyrone, o patriarca, um actor que, tendo obtido sucesso com um papel, se ressente com o facto de isto o ter restringido profissionalmente. Tendo sido abandonado pelo seu pai quando era ainda criança (o que o obrigou a se auto sustentar) tem uma ética de trabalho muito vincada e é bastante agarrado ao dinheiro.
Mary Tyrone, sua mulher, é morfinómana, com um vício de duas décadas. Ainda que consiga, esporadicamente, afastar-se da droga, a convivência com a sua família acaba sempre por levá-la a recair no vício (como constatamos ao longo da peça).
Jamie Tyrone, o filho mais velho, é um bon-vivant. Alcoólico e com uma fraqueza pelo sexo oposto, não tem ambições nem é capaz de seguir uma vocação, acabando por viver à custa dos pais (que despreza).
Edmund Tyrone, o filho mais novo, é romântico e um sonhador. Descobre que tem tuberculose e que terá de ir para um sanatório o que o faz entregar-se à bebida (fraqueza que partilha com o pai e o irmão). A vontade (imposta por si mesmo) que tem em acreditar que a mãe está livre do vício é proporcional à vontade (a que se obriga) em acreditar que ele próprio se irá curar.
Durante o decorrer de um único dia vemos, quase como no decorrer de uma vida, a inevitabilidade de cada um cumprir o seu destino até que a noite, como a morte, chega para os envolver.
Uma peça dramática brilhantemente traduzida e prefaciada por Jorge de Sena.
Nota 4

sábado, 20 de junho de 2009

Sua Alteza Real... A cantora de Ópera.




Condessa d’Edla
Teresa Rebelo
Aletheia Editores
ISBN 989-622-031-X
EAN 9789722517935



Elise Hensler. Mais tarde, Condessa d’Edla. Para uns madrinha de artistas e, ela mesma, artista de mérito próprio. Para outros, era uma mulher sem moral que ousava aspirar ao leito que pertencera à rainha de Portugal. A sua audácia pagou-a cara, com o esquecimento propositado do seu nome dos manuais de história.
Em 1860 Elise Hensler apresentou-se em palco, no Teatro de S. Carlos, envergando um par de calções, no papel de pagem da ópera de Verdi "Um baile de Máscaras". A sua voz não era particularmente boa, mas as suas pernas... As suas pernas tornaram-se o falatório da nação (principalmente depois dela se deixar fotografar com o fato da sua personagem e colocar as fotos à venda em quiosques na capital). Para além de falarem sobre os seus atributos físicos, muitos homens sentiram-se atraídos por eles. Um desses homens foi D. Fernando II, viúvo da rainha D. Maria II.
O romance entre os dois apaixonados pela arte tinha todos os ingredientes de uma grande peça, ou mesmo de uma ópera: diferentes backgrounds, a oposição da família (neste caso, principalmente, de D. Pedro V, filho de D. Fernando II), a crítica da sociedade e a beleza bucólica de Sintra e do Parque da Pena como cenário (sendo um apaixonado pela vila de Sintra e pelo Palácio da Pena – construído sob as suas ordens – D. Fernando construiu no Parque circundante do Palácio um Chalet, que ficaria conhecido pelo Chalet da Condessa, de forma a ter a amada sempre perto de si – mas com a decência social de não ficarem debaixo do mesmo tecto).
Depois da morte do seu primogénito, e após ter conseguido, através de um primo, um título nobiliárquico, D. Fernando II conseguiu, por fim, casar com a mulher que amava. Foi o escândalo!... A revolta!... Mais ainda quando, após a sua morte, D. Fernando deixou tudo o que possuía à esposa... Incluindo o Parque e Palácio da Pena.
Neste livro a autora recolhe os poucos dados que sobreviveram até aos nossos dias sobre a cantora-condessa e, finalmente, ajuda-a a recuperar o lugar na história que é seu por direito.
Nota 3

quarta-feira, 17 de junho de 2009

A individualidade verga-se à sociedade.


A elegância do Ouriço
Muriel Barbery
Editorial Presença
ISBN 978-972-23-4051-9


Por vezes os livros que maior prazer nos dão são aqueles de que temos mais dificuldade em falar (queremos dizer o suficiente para despertar o interesse de quem nos ouve, mas não o bastante para que pensem já não ser necessário lerem o livro).
A primeira vez que vi este livro pensei, ao olhar para a capa, que se trataria de uma dessas histórias sobre crianças abusadas e maltratadas. Na verdade o livro nada tem a ver com essa temática (apenas houve, na minha opinião, uma infeliz escolha de capa - a tentativa de a tornar mais comercial roubou alguma coerência ao livro).
A obra relata a história de duas personagens femininas: Paloma, uma rapariga rica, sobredotada, de 12 anos que, consciente do vazio da vida das pessoas em seu redor, pretende matar-se no seu 13º aniversário excepto se, nos meses que ainda restam até à data, descobrir algo por que valha a pena viver. A segunda personagem é Renée, a porteira do prédio onde vive Paloma, e uma mulher que tem de calar a sua própria inteligência, cultura e personalidade de forma a corresponder ao estereótipo da porteira que os seus inquilinos têm pré-formada (uma pessoa burra, pobre e de baixa cultura).
No fundo este é um livro que fala sobre a forma como, todos nós, estamos condicionados por normas sociais e culturais. De tal forma que, por vezes, somos obrigados a calar a nossa própria voz para sermos aceites.
Adorei o livro e tenho-o aconselhado a todos os que me pedem opinião e, mesmo, aos que o não fazem. No entanto existem alguns pontos negativos, a meu ver, que devem ser mencionados (para além da supracitada capa): o facto de só percebermos, na totalidade, a maneira de ser e agir de Renée quando tomamos conhecimento de Lisette (nas últimas 50 páginas); a forma como, para mostrar a juventude de Paloma, por vezes a autora aligeira o tom da escrita da jovem enquanto existe sempre uma certa pomposidade na escrita de Renée; também me decepcionou, de certa forma, o último capítulo escrito por Renée (percebi a ideia, mas o sentimentalismo que, aliás, existia já no capítulo anterior, parece-me, ligeiramente, forçado).
Ainda assim considero este um dos melhores livros que li no decorrer do último ano e desconfio que ainda demorará algum tempo a encontrar outro à altura.
Nota 4

sábado, 13 de junho de 2009

Nem tudo o que parece é!




A Mulher de Branco
Wilkie Collins
Romano Torres Editora



Amigo pessoal de Charles Dickens desde 1851 (quando tinha 27 anos) Wilkie Collins partilhava com o conhecido autor um gosto pelo mistério e pelo sobrenatural. Muitas das suas obras, incluindo esta, foram publicadas como folhetins semanais em revistas (incluindo a "All The Year Round" de Dickens), antes de serem publicadas em formato de livro.
Um dos primeiros romances policiais escritos, este livro, mais do que uma história de homicídios e homicidas, é uma obra sobre identidades trocadas e desmaios femininos. Com Anne Catherick, a mulher de branco, a dar o mote à história e ao título com o seu guarda-roupa (des)colorido, que lhe confere um ar misterioso e etéreo, vemos desenrolar perante os nossos olhos amores contrariados, maridos cruéis e jogadas de interesse social e económico.
Com todos os atractivos necessários (dos quais se destaca a novidade do mistério inerente à trama) para captar o interesse e conquistar o público vitoriano, o livro consegue, ainda hoje, manter uma sólida base de fãs.
Recomendo a quem gosta das obras das irmãs Brontë.
Nota 4

terça-feira, 9 de junho de 2009

Leia em todo e qualquer lugar!



Audio books (O poder dos Audio Livros)

Churchill Speeches
Agatha Christie’s Murder on the Orient Express

Colecção Livros para Ouvir




Gosto de ler. Admito, a priori, essa minha característica. Admito, também, que para mim o folhear de um livro contribui, em grande parte, para esse gosto. O cheiro adocicado de um livro antigo, o roçagar áspero das folhas de um livro novo, tudo isso, a meu ver, contribuía para o ritual que é uma boa sessão de leitura. Assim sendo, era-me difícil aceitar o progresso dos audiobooks.
Claro que lhes via qualidades... Proporcionavam uma integração no mundo literário de muitos daqueles a quem a entrada estava, por vezes, vedada; analfabetos, invisuais, pessoas a quem a idade ia roubando a capacidade de leitura... Mas só!
Descrente, mas ao mesmo tempo coerente com o meu moto de só criticar o que conheço, decidi experimentar. Rendi-me! A possibilidade de ouvir na primeira pessoa personalidades que marcaram a história do mundo e que desapareceram à muito... A nostalgia romântica das antigas radionovelas... A possibilidade de alguém nos ler em voz alta alguns dos bestsellers da literatura mundial... E tudo ao mesmo tempo que se faz o jantar ou se conduz! Adorei!

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Conceitos de arte.




Wall and Piece
de Banksy



Uma obra de arte, para ser considerada tal, terá de estar pendurada na parede de uma qualquer galeria? Não poderá, essa mesma parede, ser considerada uma obra de arte? A resposta é sim... Se for uma parede com a qualidade de trabalho do artista inglês.
Tornei-me familiarizada com a obra do street artist à alguns anos e, desde essa altura, tento acompanhar o que de novo ele vai trazendo à cena underground. Devo admitir que gosto! Gosto do seu sentido de oportunidade, da sua crítica social, do seu humor contudente... Até gosto do facto de ter lançado um debate nacional sobre qual será a sua identidade. Banksy é um Batman dos tempos modernos... Principalmente a acreditar nos últimos rumores, os quais o dão como um produto de classe média alta, aluno bem comportado de escolas privadas que, na adolescência, se apercebeu do poder escondido numa lata de spray paint. Ao contrário do especulado, não acho que o artista tenha defraudado a sua base de fãs. Ninguém esperava, acho eu, que alguém com o seu sentido social, fosse o produto de uma vivência num bairro de lata e de uma educação defeituosa... E também ninguém, no seu perfeito juízo, esperava que, à semelhança de um Peter Pan, Banksy se mantive-se eternamente na adolescência. Sim, está mais velho... Sim, tem, ligeiramente, excesso de peso... Sim, usa óculos, o que não é cool... Mas ensinou-nos que Arte se escreve com maiúscula... Com uma lata de spray paint!
Nota 4

quarta-feira, 3 de junho de 2009

O Lado Negro da História!



A Cabana do Pai Tomás
Harriet Beecher Stowe
Público



Obra de referência na literatura, este livro é, ainda hoje, um marco de uma época negra da história mundial. Retratando a realidade dramática do escravo negro na América do Norte, acabava por espelhar a vida dos negros um pouco por todo o mundo, tendo sido impulsinador da guerra civil que iria levar ao abolicionismo. Casada com Calvin Ellis Stowe, um reverendo e professor de Lane, Harriet ganhava algum dinheiro, necessário, escrevendo para revistas, o que ajudava o casal, que teve 7 filhos, a manter a família na respectabilidade da pobreza elegante. Tendo vivido, durante 18 anos, separada apenas pelo rio Ohio, de uma comunidade onde havia escravos acabou por entrar em contacto com escravos fugitivos. Regressada a New England escreveu a Cabana do Pai Tomás, romance que foi publicado, originalmente, em fascículos, no National Era, um jornal abolicionista. Segundo a autora, a inspiração para o romance surgiu de uma imagem vinda de Deus, dos escravos a sofrer, a serem espancados mas, mesmo assim, perdoando a quem os atormentava... E é, realmente, essa a essência deste livro. Ao lê-lo sentimos na alma a amargura e o desespero dos homens e mulheres que são condenados apenas pela cor da pele. Revoltamo-nos por eles, mesmo quando os próprios não o fazem. Aprendemos com a grandeza da sua personalidade e com o perdão que demonstram. E verificamos que a alma, a essência humana, não tem cor... Mas tem pureza.
Nota 5