sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Sua Majestade...





"A Leitora Real"
Alan Bennett
Edições Asa
EAN 9789892306490
ISBN 978-989-23-0649-0



Excerto:

"A culpa foi dos cães. Eram snobs e, depois de terem estado no jardim, seria normal que subissem os degraus da entrada, onde geralmente um criado lhes abria a porta. Contudo, hoje, por alguma razão, correram pelo terraço a ladrar desalmadamente, voltaram a lançar-se escada abaixo e a contornar a casa, onde ela os ouviu ganir para qualquer coisa num dos pátios.
Era a biblioteca itinerante da cidade de Westminster: uma grande carrinha semelhante às das mudanças, estacionada lá fora ao pé dos contentores, junto a uma das portas da cozinha. Era uma parte do palácio que ela não via muito e certamente nunca lá vira a biblioteca. Tal como os cães, provavelmente, e daí o barulho; assim, falhada a tentativa de os acalmar, subiu os pequenos degraus da carrinha para pedir desculpa."

E é assim, em dois pequenos parágrafos, que o autor nos dá o mote para o pequeno livro que temos em mãos: a descoberta do mundo literário pela Rainha da Inglaterra, aos oitenta anos da soberana.

Alan Bennett, nascido à 75 anos em Leeds, é notoriamente conhecido como humorista, actor e autor, e tem, no sentido de humor e na sátira, a sua marca pessoal. Este livro, que na versão original tem o título "The Common Reader", um título cujo jogo de palavras é muito melhor conseguido que na tradução portuguesa, é uma ironia em torno da realeza britânica, dos governos políticos e dos "perigos" dos conhecimentos literários.

Isabel II, soberana à algumas décadas, nunca foi particularmente conhecedora ou apreciadora de literatura. Para ela os livros eram, pura e simplesmente, uma perda de tempo. No entanto, e naquele dia, ao entrar na carrinha da biblioteca itinerária, com o único intuito de pedir desculpas, e ao encontrar-se frente a frente não só com o bibliotecário mas também com Norman, o ajudante de cozinha, acaba por, devido ao seu próprio constrangimento, requisitar um livro. A escolha (feita pelo processo "conheço pessoalmente este autor, não conheço pessoalmente este" deixa-a desiludida... A promessa literária não se ergue à altura das expectativas reais. No entanto, ao ir entregar o livro (com todas as intenções de não repetir a façanha) acaba por se ver guiada por Norman por um labirinto de livros e autores os quais nem sabia existir.

O livro, light e despretencioso lê-se facilmente... Nesta época, em que o tempo e a vontade por vezes parecem nem existir, soube-me bem poder pegar num livro leve e irónico, que me entretia enquanto me abria o apetite para outros livros e outros autores. É, obviamente, uma ficção irreal (e o final não deixa quaisquer dúvidas sobre isso), mas as descrições, principalmente, dos interiores do Palácio de Buckinham quase nos fazem acreditar que as coisas podiam ser assim.

Recomendo a quem, como eu, anda apertado de tempo mas continua a valorizar os poucos momentos à noite em que, antes de adormecer em cima do livro aberto (por vezes quase babando as folhas, admito!) pode fechar a porta do quarto e, egoisticamente, dedicar-se ao prazer da leitura.


Nota 3

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